Desvendando o original hebraico
A palavra hebraica para dízimo é ma’asar, cuja raiz imediata é, como fica evidente, o número “dez” em hebraico (‘eser), pois o dízimo é a “décima parte”. Porém, a própria palavra ma’asar pode ser traduzida como “riquezas”, como ocorre em Provérbios 22.1: “Mais vale o bom nome do que as muitas riquezas (ma’osher)”. Isso porque o homem que possui riquezas, e que talvez oferte um bom dízimo, deve adequar não somente sua renda, mas seu caráter aos parâmetros divinos. Lembre que quando da entrega dos dízimos, muitos ricos estavam ofertando grandes quantias, mas a viúva, que tinham um “bom nome”, ou seja, um “bom caráter” (em hebraico, shem tanto significa “nome” quanto “caráter”) ofertou tudo que tinha e, segundo Jesus, em seu dízimo havia mais riqueza do que todos os demais (Marcos 12.41-44).
Além disso, a palavra ma’asar tanto pode significar “dízimo” como “riqueza”, pois aquele que oferta recebe em retorno muitas riquezas, não somente materiais, mas espirituais, como está escrito: “Dai, e dar-se-vos-á; boa medida, recalcada, sacudida, transbordante” (Lucas 6.38).
Por sua vez, tanto a palavra “dízimo” (ma’asar) o como o número “dez” (‘eser) são originados do termo ‘ashar, que significa “acumular”, “crescer”, “enriquecer”. Não porque somente os ricos têm capacidade de dizimar, mas porque quem é fiel a Deus em suas ofertas acumula para si bênçãos, cresce em graça em enriquece no amor e no conhecimento de Deus.
A raiz de ‘ashar é, por sua vez, ‘ash, que traz a ideia de “pressionar”, e também pode remeter ao “fogo” e ao “desespero”. O termo ‘ash é formado, em hebraico, por apenas duas letras, aleph (que significa “touro” e remete à ideia de “força”) e a letra shim (que significa “dente” e passa a ideia de “pressionar”). Unidas, as letras aleph e shim introduzem a ideia de uma “forte pressão abaixo”.
É por isso que, em hebraico, ‘ash significa “fogo”, pois este era conseguido através da pressão exercida por um graveto sobre um pedaço de madeira, cuja fricção produzia faíscas. Depois, colocava-se um pequeno pedaço de palha perto das faíscas, que, com a ajuda de assopros, fazia com que a palha se queimasse. Observe: não foi esse o processo pelo qual passou Abraão? Ele foi chamado (Gênesis 12), confrontado, provado, sentiu a pressão do desespero, enriqueceu (Gênesis 13), deu o dízimo a Melquisedeque (Gênesis 14) e fez uma aliança de fogo com Deus (Gênesis 15). Todas essas ideias (pressão, desespero, enriquecer, dízimo e fogo) estão contidas na raiz ‘ash.
O incrível é que a palavra ‘ash (relacionada a ‘ish) também pode significar “homem”, como em 2 Samuel 14.19: “Tão certo como vive a tua alma, ó rei, meu senhor, ninguém se poderá desviar, nem para a direita nem para a esquerda, de tudo quanto o rei, meu senhor, tem dito”. A expressão “ninguém” é, em hebraico, ‘im ‘ish (“nenhum homem”), onde “homem” está escrito da mesma forma que a palavra ‘ash, que dá origem a todos esses significados listados acima. Isso acontece porque foi através de um homem (‘ish) que, tendo provado o desespero (ya’ash), sendo pressionado e aprovado, deu-nos a possibilidade de reaproximação entre Deus, através de uma oferta não apenas da décima parte (ma’asar), mas de uma entrega total, como a da viúva. Oferta esta poderosa para nos dar acesso às maiores riquezas (ma’osher) celestiais e à comunhão com o fogo (‘esh) do Espírito Santo de Deus, e tornando-se fundamento (‘osh) de nossa fé, extinguindo todo pecado através do brilho (‘ashath) da sua glória.
::Por Daniel Lopez
Jornalista, mestre em Linguística e professor de Filosofia da Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), tendo estudado hebraico na Sinagoga ARI, em Botafogo – RJ.